segunda-feira, 23 de maio de 2011

Bolhas



Estive muito triste nos últimos dias. Já estive triste em muitos outros momentos, mas essa tristeza era, em todos os sentidos, diferente. Eu me sentia tomada por ela, como se ela me prendesse em braços que eu não conseguia ver. Era uma tristeza profunda que me doía e cortava a alma por dentro. Eram pequenos cortes, cortes sutis que me machucavam.

Tentava fugir do que sentia. Tentava correr pra um lugar que eu não sabia exatamente onde estava. Eu só queria não me sentir mais daquele jeito. Mas eu estava triste.

No fundo, queria ser capaz de conseguir falar sobre o que estava sentindo. Queria poder ouvir alguma coisa que me tirasse debaixo daquelas nuvens carregadas. Queria um colo, um abraço, um beijo, talvez um "olá" diferente, não sei bem. Mas eu disfarçava tudo o que sentia atrás de um sorriso. Escondia minha tristeza como escondo uma espinha atrás de uma camada de "base".

Acontece que assim como a "base", sorrisos e brincadeiras não são capazes de esconder aquela vermelhidão por completo, aquela parte inchada que lateja. Talvez muitos conversem conosco, brinquem conosco, estudem conosco, orem conosco e sorriam em gargalhadas conosco e, mesmo assim, sejam incapazes de ver aquele calombinho inchado, inflamado, dolorido.

Muitas pessoas que amamos, que contamos, que admiramos vão olhar pra nossa "maquiagem" e não verão o que está por trás dela. Outras, verão a nossa tentativa infeliz de nos maquiar, mas continuarão fingindo que não viram. Outras, não serão capazes de suportar-nos sem nossas "bases". Outras, criarão soluções pra disfarçar aquilo em nós e talvez, por um tempo, até dê certo. Outras realmente tentarão nos ajudar.

Uma hora essa maquiagem se desfaz com o calor, com a chuva, com nosso suor. Com as dificuldades, a verdade, a nossa verdadeira identidade.

Nenhum ser humano vai ser capaz de conhecer tudo em nós. Nenhum ser humano vai ser capaz de enchergar todas as nossas feridas camufladas. Nenhum ser humano vai ser capaz de preencher um vazio que nos faz chorar na madrugada. Nenhum ser humano vai ser capaz de nos dar a alegria que precisamos sentir.

Seria injusto cobrar de pessoas - com falhas, sonhos, passado, traumas, medos, alegrias e verdades - como nós soluções que elas não têm, assim como nós não temos. Nós nos completamos e somos capazes de nos ajudar, mas está acima daquilo que podemos fazer tratar e curar aquilo que se esconde atrás de uma "maquiagem".

Quem me vê assim cantando, não sabe o que eu sofri...

Existe um olhar meigo, penetrante e doce que olha para nós e diz: Deixa-me ver-te como és. Deixa-te ser quem és. Seja quem eu fiz para que fostes. Seja você. Ontem, hoje, amanhã.

Deixa eu tirar tua maquiagem. Conta para mim o que doeu. Deixa eu limpar, deixa eu cicatrizar, deixa eu cuidar de você.

Nossa alegria não está no outro, em algo, em algum lugar. Ela se complementa com outro, em algo, em algum lugar.

Fico pensando em quantas pessoas passam por mim todos os dias. Fico pensando se elas estão se escondendo. Fico pensando em quantas pessoas maqueiam suas tristezas, seus traumas, seus medos, suas fraquezas como eu fiz, como eu ainda tenho feito.

Fico pensando quando eu vou ter coragem de cantar quando sentir vontade  de cantar e rir pra um estranho na rua sem imaginar o que ele vai pensar de mim. Fico imaginando o dia em que irão olhar-me, junto comigo, frente a um espelho e enchergar a Bárbara que um dia eu fui criada para ser.

Quero poder voltar ao início de tudo e encontrar-me com Jesus. Quero rever meus conceitos, valores, eu quero reconstruir. Quero ter coragem suficiente pra aceitar que eu piso na bola um monte de vezes e que isso não me faz alguém inferior. Quero ser capaz de aceitar-me como sou e amar-me como sou, com meu timbre de voz, com minhas notas impossíveis que talvez um dia eu alcance, com meu cabelo que daria para três cabeças, com minha cor leite ninho, com minhas piadas toscas, com minhas caretas, com meus pensamentos atropelados, com minha forma de enchergar o mundo. Quero aceitar os meus momentos de raiva, de amor, de risos. Quero ser capaz de permitir-me ser eu.

Porque assombrosamente fui formada. (Sl 139.14)

Eu quero ser assombrosamente eu mesma. Você quer ser assombrosamente você mesmo?

Quero, sendo eu, misturar um pouco de mim pra lá e pra cá. E aprender talvez a cantar como cantava Pavarotti, aprender a dançar hip hop, tocar gaita e violão, rir um riso sem som como a Débora, valorizar "um gesto" que o Raphael não para de falar, aprender a ser forte como minha mãe, palhaça como meu pai, sincera como o Samuel, simples como Jesus. Eu quero uma mistura de um monte de gente em mim. Eu quero ser assim. Quero acreditar em um "linda ou bonita" de vez em quando. Quero ser capaz de revelar mais minhas lágrimas. Quero ser capaz de cobrar menos de mim, menos das pessoas. Quero amar-me todos os dias, mesmo sem ter razão. Quero conversar mais comigo mesma. Quero amar mais as pessoas. Quero mudar, crescer, amadurecer. Quero me contradizer.

Quero encontrar o abraço que me tira daqueles braços que me faziam murchar. Quero dissipar as nuvens negras, quero ser capaz de olhar o céu e admirar o Sol. Quero escrever mais versos, certos, ao inverso. Quero me apaixonar. Quero sonhar os sonhos que um dia Papai sonhou para mim. Quero ver a tristeza se dissipar e eu, ao som de um reggae, dançar com Jesus.

Eu que sempre vi o mundo apertando um pouco os olhos, fazendo da vida uma eterna poesia. Eu que tenho covinhas em minhas bochechas. Eu que sou brava. Eu que gosto de psicologia, de pedagogia, de história e de coisas até perder as contas. Eu que não me decido se quero frio ou mar. Eu que um dia quero casar. Essa Bárbara que tem dificuldade pra falar daquilo que doeu, que dói. A Babi que fica imitando quem não deve, gritando "vamos lanchar" e cantando versinhos idiotas por ai. Ela que deveria ser mais discreta de vez em quando, que deveria rir mais baixo, que sempre quis dirigir. Aquela garotinha que cresceu e não perdeu a mania de mecher nos pés e que já perdeu as contas de quantas vezes sentiu seu corpo queimar de vergonha e seu rosto vermelho ficar. É a eterna "bebê" de um cara parrudo que tem as dancinhas mais rídículas do planeta, que tem uma mãe linda e guerreira, que tem uma irmã amiga, pateta, sincera, que tem um cachorro folgado, um irmão apaixonante. É uma quase mulher já. Imperfeita, que chora demais, que sente demais. É alguém que sonha, que respira, que gosta de dormir.

Eu ainda tenho muito o que descobrir em mim. Eu quero ser quem fui chamada para ser.

Quem você quer ser? Quem é você?

É importante sair da bolha.





(...) Mas existe uma alegria que me envolve, que me quebranta, que me constrange, que me gera de novo, que me abraça, que me fala, que meche com a minha vida. Essa alegria, ah, essa alegria. É linda, é lindo. Essa alegria meche comigo, me envolve, me faz feliz. Faz-me feliz demais.












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À Débora, que inspirou-me.