sábado, 18 de junho de 2011

Mar



Minha mente, puro turbilhão. Sinto flores crescendo dentro de mim. Eu as vejo crescer aqui no meu peito. Onde está o oxigênio que falta pra encher meus pulmões? Perco o ar. Surge, sutil, um sorriso em mim.

[...]

Noite fria na capital. Conjunto moletom de calça e mangas compridas, meias, cinco cobertas, janela fechada, dentro de casa. Meus pés demoraram a esquentar. Abri e fechei os olhos muitas vezes. Desliguei o abajur. Não conseguia dormir. Minha mente estava inquieta. Eu estava inquieta. Pensava em tantas coisas. E tantas delas me traziam uma vontade tão grande de chorar, chorar por horas; parecia que mesmo assim eu não me livraria delas. Continuariam a doer. Continuariam a tirar-me o sono. Continuariam a incomodar-me.

Pensei nas pessoas que não tinham uma casa para onde voltarem, que estavam vagando nas ruas. As imagens que tenho delas em minha mente não me trazem nenhum conforto. Uma blusa, geralmente rasgada, bem fininha, uma bermuda, pés descalços, uma sacola, um carrinho de supermercado, uma história que eu não conheço e com a qual tantas vezes fui alheia. 

Como sou egoísta. Como sou ingrata. Como me senti envergonhada. Eu estava aflita com coisas com as quais eu não precisava me preocupar, porque meu Pai já me disse inúmeras vezes que tem cuidado delas pra mim. Parece que é cômodo ter algo a pedir antes de dormir. Parece não ser injusto. 

Enquanto estou aqui escrevendo, sinto minhas mãos geladas, as pontas dos dedos estão dormentes. Fico me perguntando por quanto tempo ainda vamos deixar que nossos corações fiquem assim. Fico aqui me perguntando por quanto tempo estaremos tão focados nas nossas coisas, que esqueceremos de ver quando elas estão acontecendo em outro lugar. Nós perdemos tantos dos nossos sonhos porque queremos que eles aconteçam do nosso jeito. Nós focamos tanto a nossa atenção em nós mesmos, nos nossos problemas, nos nossos sonhos, na nossa vida.

Certa noite, em um barco, alguns homens avistam, vindo do horizonte, um homem a andar sobre as águas. Ficam assustados acreditando ser um fantasma o que estão vendo. Alguém corre pelo barco, acorda os outros tripulantes e, atropelando as palavras, em alto tom, tenta descrever o que via, o que pensava ser aquilo. Todos eles, assustados por dentro, levantam-se e vão ver o que é. O suposto fantasma está ali na proa do barco a sorrir. Eles vão a passos lentos, procurando mostrarem-se fortes uns para os outros. "Ei, não tenham medo, sou eu, o amigo de vocês, Jesus". Pedro, o mais ousado, responde: Se for mesmo você diga-me para ir ao seu encontro. Ele responde: Vem, Pedro. Pedro larga as cobertas e se joga ao mar. Nesta hora, Jesus dá uns passos para trás, na tentativa de deixar Pedro com espaço suficiente para dar alguns passos. Pedro, alucinando de alegria, caminha até ele. A Lua a brilhar lá atrás faz com que as águas aos pés daqueles dois se torne como prata. O mar estava agitado naquela noite. Uma onda. As águas alcançam as canelas de Pedro, o medo lhe aperta a garganta e tudo o que ele consegue dizer é: Jesus, Jesus, ajuda-me! Jesus corre ao seu encontro, olha Pedro nos olhos e pergunta: Por que duvidaste? (Mateus 14:22-36)

Temos alguém para cuidar dos nossos problemas, dos nossos sonhos, de nós. Temos alguém que nos permite ter o nosso espaço, que nos permite caminhar, sermos livres. Ele dá alguns passos para trás para que possamos caminhar com nossas próprias pernas. Já viu o que um bebê estampa em seus lábios quando está andando em direção a alguém? Já viu a alegria que ele sente quando consegue acelerar um pouco mais os passos? Quando consegue equilibra-se? A liberdade nos torna felizes. E muito bem sabe Ele disso.

Eu ainda não vi um bebê que aprendeu a andar olhando para os seus próprios pés. Ele olha para frente, olha para onde quer chegar. Pergunto-me porque temos esquecido de fazer isso em nosso dia-a-dia. Por que ainda colocamos o nosso foco onde não deveríamos colocar? Se nos preocupamos com o próximo passo a dar, com a nossa capacidade em dá-lo, se vamos ou não cair, será que conseguiríamos chegar naqueles braços a uma pequena distância de nós? 

Por que Pedro tirou os olhos dos de Jesus? Por que ele não parou para observar a Lua que coloria o mar? Por que não chamou os outros para andarem com ele? Por que olhou para os seus pés e teve medo da água que chegou às suas canelas?

Por que, com uma cama quentinha, um beijo de "boa noite" ainda na testa, dentro de uma casa, com pessoas a me amarem e meu Pai, na ponta da cama, a me acariciar os cabelos eu ainda tive medo? Por que eu estava tão preocupada? Por que deixei meu coração se inquietar se Ele já tinha me dito que eu poderia pular do barco, que eu poderia andar sobre as águas, que eu poderia alegrar-me?

Buscamos tanto uma liberdade que já é nossa. E quanto mais tentamos encontrá-la, mais nos perdemos dela. Não vamos encontrá-la no nosso umbigo, nos nossos pés. Ela está nos olhos daquele que pode andar sobre as águas.

Seus olhos estão atentos em todos nós. Estamos a caminhar em um mar onde existem tempestades. Pra quem você olha quando vê a água chegando a sua canela? O que você diz? 

Quando olhamos para aqueles olhos, sentimos vontade de olhar para as pessoas ao nosso redor. Alguns sentem fome, frio, medo, outros se sentem mal consigo mesmos, com o lugar em que estão, com o que estão fazendo. 

Ele nos deu liberdade. E não a tira de nós. Corre em nossa direção e nos pega em Seus braços se O chamamos para isso. É uma luta contra Ele mesmo ver pessoas que Ele tanto ama se afundando cada vez mais, desesperadas, sem saberem o que fazer.  Ele gostaria de pegá-las em Seu colo, olhar em seus olhos e dizer: Estou aqui, eu sempre estive aqui.

Ele não é uma religião, Ele é nosso pai, nosso amigo, nosso amante, nosso mestre, nosso ajudador. Ele corre em nossa direção. Ele nos amou antes de tudo.

Que o frio não congele o nosso coração a ponto de não nos importarmos mais se outras pessoas têm olhado naqueles olhos. Que sejamos capazes de olhar menos para os nossos próprios pés. Que possamos ser como Ele é. Que descubramos quem Ele nos criou pra ser. Que águas de amor nos inundem. Que percamos as palavras muitas e muitas vezes. Que possamos enchergar a Lua a brilhar no horizonte, dizendo para nós que existem coisas que não precisamos entender. Que percarmos o ar com as flores que vemos florescendo dentro de nós. Aqueles olhos fazem isso. Só aqueles olhos sabem fazer isso.




Pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, que é sublevada e agitada pelo vento.
Tiago 1:6

Porque se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como era.
Tiago 1:24

E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.
Gênesis 1:26