quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sentimento inebriante




Meninos de rua cheirando cola, garotas de nove anos grávidas, pais que não conhecem os filhos, filhos que não respeitam os pais. Ministros de plástico, levitas que se tornaram animadores de plateia. Mas a gente fecha os olhos e diz que está tudo bem.

Senta no banco da igreja no domingo e acha que assim cumpriu sua obrigação, porque é esse o evangelho que eu tenho ouvido por ai: Servir a Deus é algo que você faz pra receber algo ou pra não ir a um certo lugar. Não existe mais amor, não existe mais amor.

E quem se importa? Ei, quem se importa?!

Vemos mendigos nas ruas, e nem ao menos somos capazes de olhá-lhos nos olhos. Não nos importamos se a prostituta escondida nas sombras chora por ter que vender o seu corpo. Não nos importamos com os presidiários. E aqueles que não têm o que comer? E aqueles que não têm o que vestir?

Lá estão os orfanatos cheios de crianças buscando algum afago. Asilos cheios de dor, de abandono, de desprezo. Mas nós fechamos os nossos olhos e dizemos que está tudo bem.

Faculdade, carro, namorado, roupas, amigos, "talvez eu case", dinheiro... E o outro que se vire pra ser alguém e outro que se vire pra ter alguém.

Somos, cada vez mais, individualistas, mesquinhos, egoístas.

E pra justificar toda a nossa corrida atrás de coisas que nunca nos saciarão, dizemos que temos nos esforçado para isso, que somos vencedores, que temos que sonhar. E eu não nego que cada uma dessas palavras é verdade, temos mesmo que sonhar, somos mesmo vencedores, mas até quando nossos sonhos não vão incluir os sonhos dos outros? Até quando nossas vitórias serão baseadas somente em conquistas individuais?

Até quando vamos nos preocupar mais com a roupa que vestimos do que com o que está dentro do nosso coração?

Até quando vamos viver de verdades piratas, de pregações vazias, de falsa adoração?

Até quando vamos ficar presos na nossa religiosidade, na nossa mediocridade, nas nossas bobagens?

Nós nos fechamos em grupinhos, enquanto pessoas se sentem sozinhas, enquanto adolescentes cometem suicídio, enquanto jovens se maltratam, se batem, se punem.

Conhecemos Deus através de frases ditas por homens, mas não somos capazes de discernir a Sua voz. Se nos perguntam: Quem é o seu Deus? Ou ficamos sem resposta, ou jogamos jargões que lemos em blogs, que ouvimos em um dvd ou mesmo que lemos na Bíblia - livro lindo e perfeito. Só que Deus é mais que tudo isso. E a vontade Dele é que esse evangelho podre, que vive atrás de uma armadura de papel de seda se derrame de verdade, se entregue de verdade.

Fico me perguntando se somos capazes de revelar pra Deus nossos desejos mais íntimos, nossas falhas mais banais, nossos sonhos, o que temos pensado.

E, de súbito, percebo que não. Nós preferimos fechar os olhos e fingir que está tudo bem.

Alguma vezes, recebi respostas assim: Deus não vai me entender, Deus vai me julgar, Deus nunca me aceitaria da forma que estou/sou. Mas, sabe, na verdade, somos nós que não nos entendemos, nós que nos julgamos, nós que não nos aceitamos. Transferimos essas impressões pra Deus porque nós não O conhecemos, não conhecemos Seu caráter, Sua forma de enchergar o mundo.

Usamos nossos próprios óculos pra ver tudo a nossa volta, pra ver tudo dentro de nós. Cada vez mais, tiramos Deus das nossas programações, dos nossos sonhos, da nossa vida.

E o que mais me surpreende em tudo isso é que, mesmo assim, Deus continua a nos amar, continua sonhando conosco.

Por que Ele deixa isso acontecer? Talvez porque Ele nos respeite.

Mas a questão aqui é: Por que nós temos deixado isso acontecer? Afinal, não somos tão alheios a nossa vida assim.

Há algum tempo atrás Deus me deu uma visão: Jovens e adolescentes dentro de uma igreja bem grande. Suas mãos estavam sujas de lama e eles passavam toda aquela sujeira nas paredes da igreja. Jogavam barro uns nos outros, miravam alvos nas paredes e competiam para ver quem sujava mais o lugar. E tudo isso com um sorriso nos lábios, satisfeitos.

É isso que fazemos, todos os dias. Emporcalhamos não somente o templo em si, aquele feito de tijolos e cimento, com nossas fofocas, críticas vazias e falta de transparência, mas também o nosso próprio templo, o nosso próprio corpo.

Nossa mente é um campo minado, nossas curvas/nossos músculos são usados para impressionar os outros, nosso coração está dilacerado por relacionamentos nada saudáveis.

E tudo isso com um sorriso nos lábios.

Sabe, somos como um quarto fechado, escuro, cheio de mofo, bichos, sujeiras. Ficamos trancados lá dentro dizendo para nós mesmos que não somos nada. O nosso cabelo é feio, a nossa cor é estranha, a nossa vida é esterco.

Existe alguém querendo entrar neste quarto. Existe alguém que quer acender a luz, que quer ajudar-nos a limpar as paredes, a organizar as coisas, a botar os bichos para fora. Ele quer levar-nos a frente do espelho, tirar a venda de nossos olhos e mostrar coisas que não enchergávamos dentro de nós. Ele vai nos provar o quanto somos lindos, o quanto somos queridos, o quanto somos importantes, porque Ele sim sabe quem somos.

Quando permitirmos que isso aconteça, poderemos então olhar para os que estão a nossa volta e que nunca ouviram falar dessas coisas. Então nós o ajudaremos de verdade, então nós seremos como Cristo é.

Ele se importa com os outros.

A lógica disso é que um ajudaria o outro. Enquanto você ajuda alguém, alguém ajuda você. Isso é impossível? É ser lunático demais?

Esta é a questão, talvez seja hora de mudarmos os nossos conceitos.

Que tenhamos um amor parecido com o do profeta Oséias por aquela prostituta. Enquanto todos os homens a olhavam como um objeto de luxúria, ele a olhava com amor, com zelo. Enquanto o mundo a desprezava, ele sonhava em fazê-la sua esposa, em cuidar dela. Ele foi capaz de abrir mão de sua reputação, de não se importar com os falatórios alheios e de cuidar daquela mulher, simplismente porque ele a amava.

Isto é evangelho, isso é ser alguém parecido com Cristo. É amar, amar, amar.




Portanto, esforcem-se para ter amor.
1 Coríntios 14:1a