sábado, 23 de abril de 2011

João



Minha hora predileta do dia, o sol se despedia devagar, o frescor das árvores começava a invadir o ar, o céu se mescla em tons de cor de rosa, laranja e cinza.

Uma brisa bagunça meus cabelos, chacoalha minha roupa e penetra meu ser. Tuas palavras vieram com o vento, refrescaram minha alma, trouxeram-me alegria.

"Assim como as folhas das árvores se inclinam para o vento, eu quero que o teu coração se incline a mim. Quando minha brisa dançar com você, estenda os braços e dance com ela. Minha querida, quando em tua fronte meu vento soprar, olhe para o céu e lembre-se que eu me alegro em inclinar-me para ouvir teu coração."

Disse tudo o que sentia naquela hora. Estava triste. Mas Ele me envolvia com um abraço. Aquecia-me como nenhum agasalho poderia me aquecer, alcançava meu coração.

Junto com ela, foram embora os meus medos. Junto com ela veio a certeza de que havia um colo onde deitar. E apesar de muitas dúvidas tentarem permanecer e aflingir-me, eu sabia que podia fechar os olhos e descansar.

Não preciso ser perfeita. Não preciso apenas sorrir. Não preciso de dinheiro. Não preciso ser a melhor da turma. Não preciso ser a mais bonita. Ele não se importa com a minha cor, com a minha forma de falar, se eu falo ou não inglês. Com Ele eu só preciso ser eu mesma.

Meu coração encontra o Teu e nasce uma canção.

[...]

O dia nasceu lindo. Nuvens branquinhas, céu em tom único de azul, o sol a brilhar com força. O som ligado, o vento no rosto. Pegamos a estrada e partimos pra um lugar um pouco distante. Não fosse pelo lugar onde estávamos indo, o dia seria como aqueles "estou viajando de carro".

O ar do nosso destino não tem cheiro de liberdade como o de uma viagem. O ambiente é hóstil. Amor é uma palavra desconhecida naquele lugar. O medo, o ódio e a solidão são o que encontramos em medida incontável, impregnadas nas mentes, nas paredes, nos colchões.

Mas tudo o que eles buscam é amor. Tudo que eles precisam é amor.

Eu solto um "bom dia" e aquele coro forte me responde "bom dia". Roupas brancas, olhos atentos, sede de algum afeto. Abro a Bíblia e solto algumas frases. Eles sugam cada um daquelas sílabas que saem de minha boca como um sedento a beber, a goles pequenos, a tão sonhada e esperada água.

Eles procuraram essa água nas drogas, no dinheiro, em mulheres, no revólver. Mas ela não está lá. Eles têm sede, eles têm sede de Deus.

Olham-me nos olhos, marcam o ambiente pelo silêncio.

Aquela porta é aberta somente duas vezes ao dia, em dias aleatórios. Lá dentro, atrás de um porta cheias de trancas e uma grade feita de concreto, eu vejo o João. Considerado "o pior" de uma sociedade. Está preso na ala de segurança máxima.

Ele me diz que "as coisas de Deus a gente não faz de qualquer jeito. Não pode aceitar Jesus aqui dentro e sair pra fazer besteira. Tem que querer de verdade." Então eu digo pra ele que Deus pode transformar o homem, que Deus pode ajudá-lo a não "fazer besteira lá fora".

Ele não tira os olhos dos meus. Seus olhos são negros, amendoados, grandes, cílios compridos. Provavelmente foi um daqueles garotos que vemos correndo atrás de uma bola a tarde inteira na rua, soltando pipa nesse céu imenso, esperando chegar em casa e ter algo pra comer, um abraço pra amá-lo. Mas eu não sei. O agente diz que hora de sair.

Eu estendo minha mão direita, o João a dele. Ele segura minha mão como se estivessem lá todas as respostas que ele procura, como se pudesse eu, de alguma forma, dizer pra ele porque ele fez o que fez e agora está naquele lugar.

Minha vontade era de abraçá-lo, poder mostrar para ele o amor que eu tenho conhecido. Eu queria poder vê-lo abraçado com Papai, chorando seus medos, gritando seus traumas, sorrindo com Seu amor. Eu queria tanto que ele se sentisse amado pelo homem que morreria de novo se somente ele estivesse aqui na terra.

Eu não poderia amá-lo assim, mesmo que quisesse. Mas Papai podia. Porque o que Ele queria era apenas ser amigo do João. Ele não ia criticá-lo, Ele não iria desprezá-lo, Ele não se importaria com o que ele fez. Ele o abraçaria e choraria com ele. Ah! Ele só o amaria. E isso já era o suficiente.

- Ora por mim.

[...]

Que aquela brisa entre na cela onde está o João e o abrace. E afaste os medos. E tire as tristezas. E mostre pra ele que ele é importante, que alguém o ama, que alguém se importa com ele, com o que ele sente, com o que ele pensa.

Eles se sentem imerecedores do amor de Deus. Acontece que todos nós somos imerecedores. Afinal, o que diferencia aquele que responde os pais daquele que mata o gerente do banco? Quem somos nós para dizermos que eles devem morrer? Quem somos nós para nos sentirmos melhores? Quem somos nós para os julgarmos, os criticarmos?

Jesus os ama e com Ele eles só precisam ser eles mesmos. Nosso papel é apenas dizer pra eles que alguém se importa.

Que uma brisa penetre o nosso ser e mostre para nos o que somente o Senhor pode sentir. Quando Ele nos abraça, nós abraçamos os outros.

Ah, Jesus! O Teu amor é lindo demais...



Lembrai-vos dos encarcerados como se estivésseis presos com eles.
Hebreus 13:3